1967, o ano em que Françoise Dorléac partiu e Éric Rohmer lançou o filme…

Rafael Salles
3 min readMar 22, 2023

Em 1967, ano em que Françoise Dorléac partiu, Éric Rohmer fez seu belíssimo Minha Noite com Ela, filme de destaque e qualidade maior da sua leva dos Seis Contos Morais. Bebericado da fonte ainda recente da Nouvelle Vague em um charmoso noir et blanc, a personagem (heroína ou não, porém ainda rohmeriana) é interpretada por uma também Françoise, esta Fabian. Rohmer, apesar do belo filme sessentisista, foi lapidar seus diamantes apenas a partir da década de 80, dando ao mundo o prazer de assistir a obras como os belíssimos Contos das Quatro Estações, As Aventuras de Reinette e Mirabelle e o sexteto que compõe os Comédias e Provérbios.

Em 1967, ano em que Françoise Dorléac partiu, além da saudade ela também deixou um honroso presente: o musical Duas Garotas Românticas, zênite do realizador Jacques Demy. Seu outro êxito fílmico veio três anos antes, com o melancólico Os Guarda-Chuvas do Amor, e manteu-se três anos após com mais um musical, desta vez fantasioso, Pele de Asno, onde – em ambos – a estrela é outra Dorléac, porém fincada no estrelato com o sobrenome de solteira da mãe: Catherine Deneuve.

Françoise partiu de forma abrupta. Acidente de carro em uma estrada para não perder um voo, acabou perdendo a vida. Catherine categorizou este acontecimento como « o grande drama de sua vida ». Por sua vez, Rohmer gozou de uma vida mais longa e partiu em 2010, com poucos meses de antecendência de seu nonagenário. Dos demais membros da finada Cahiers du Cinéma, ele perde apenas para Jean-Luc Godard, que faleceu aos 91 anos, enquanto os outros – com exceção do nêmesis de Godard, François Truffaut, vítima de um câncer no cérebro, partiu aos 52 – chegaram pouco mais perto deste. Jacques Rivette faleceu aos 87, enquanto Claude Chabrol partiu na chegada de seu octagenário. Se vivos, Françoise completaria 81, enquanto Rohmer já ultrapassaria um século de existência.

Em 1967, ano em que Françoise Dorléac partiu, sua irmã Catherine também alcançava outro êxtase fílmico: era a Bela da Tarde em Belle de Jour, musa de Luís Buñuel e apenas de título de Alceu Valença, já que este dedicou a música homônima para Jacqueline Bisset e a confundiu com Deneuve, a verdadeira estrela do filme.

Mas a confusão de Alceu não é a única aqui pautada. Minha Noite com Ela, na verdade, foi lançado em 1969. O erro só foi notada com meio texto já escrito, mas o correr da carruagem foi tão interessante que resolvi manter para ver até onde iria. Em 1967, ano em que Françoise Dorléac partiu, Rohmer lançou um filme que considero menos interessante que Minha Noite com Ela: A Colecionadora, enquanto Françoise também tinha outro projeto mediano: o anglófono O Cérebro de um Bilhão de Dólares, onde adere um visual loiríssimo tal qual a irmã mais nova e exibe seu fluente inglês carregado num charmoso sotaque. Contudo, o ano de lançamento de Minha Noite com Ela é marcado por uma outra tragédia: o assassinato da atriz Sharon Tate. Mas estes paralelos seriam até então menos conectivos do que os originais.

Apesar da gafe, ainda há um paralelo maior e único entre os dois: ambos completam aniversário no vigésimo primeiro dia de março.

A eles: feliz aniversário.

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