Ana Cañas (en)Canta Belchior: está aberta a temporada do projeto Seis e Meia

Rafael Salles
3 min readApr 15, 2023

Viver é o grande perigo, assim como cantar Belchior. Apesar disto, este não pareceu nem grande, nem um perigo para Ana Cañas, que trouxe o espetáculo novamente para o Recife, desta vez abrindo a temporada do projeto Seis e Meia de 2023 no Teatro do Parque. Podemos chamá-lo assim: um espetáculo. Não há vocábulo melhor.

Após um ato de abertura morno – da maneira mais educada o possível de se dizer, uma vez que o artista responsável pelo show inicial apropriou-se do tempo e produção, agradeceu a um público lotado que, em sua maioria, não era o seu, e impacientava os produtores por trás das cortinas (de modo literal, eram visíveis os bufos e os gestos dada a vista privilegiada do camarote) – a ansiedade agonizava mais do que já estava ao longo da semana. Mesmo ouvindo religiosamente Ana Cañas Canta Belchior (Ao Vivo) e estando ciente da setlist de cor e salteado, as grandes surpresas que haveriam de vir eram o trunfo da noite.

A paulista não poupou em surpreender. Desde a live que deu início ao projeto, dos EPs que sucederam o disco para então vir a turnê, Ana tem assumido o grande perigo de expor-se em canto e melodia ao performar Belchior. Fique aqui claro: não são covers, apenas, e sim toda uma nova leitura.

Cantar Belchior é um desafio, como dito no início do texto, que Cañas faz com uma facilidade invejável. É, por natureza, árduo pôr em canto a lírica do artista sem imitá-lo – mesmo que de modo involuntário –, ou então as grandes versões de Elis Regina, estas que apropriaram as músicas para ela. Ana, na verdade, ousa e inova em dar uma nova roupagem para Belchior. Sua originalidade é quase provocativa, com melodias cativantes, versões diferentes e sussuros, como se cantasse as músicas num tête-à-tête particular e – muito – convidativo.

Mas se em estúdio Cañas dá um ar intimista (e até um pouco intimidador) às canções do cearense, em público ela mantém, enquanto equilibra na mesma balança um estímulo ao público para adentrar em seu universo particular. No palco, cheia de vida, sapequice, elegância, carisma e felicidade cativante, a artista não canta só. Há uma nova quebra de ideias pré-estabelecidas, e esta sendo de que um espetáculo se faz com um artista em seu púlpito, apenas; aqui, todo o teatro faz parte do seu show, e ela provoca, convida, instiga. Ana despe-se de toda seriedade e possíveis tabus, entrega uma arte pura e abre-se para o novo que sempre vem; e para quem também vem, expondo em feixes de luz seu íntimo e suas delicadezas, descendo dos saltos em plataforma – de modo figurativo, é claro – e conversando de igual para igual com a plateia: “Eu sou como você que me ouve agora”, ela canta empunhando um espelho em formato de coração e sorrindo, abrindo ainda mais os braços para essa troca de afeto que se faz presente do início em que se abrem as cortinas até seu fechamento.

Conduzindo a banda, performando em luz e sombra, fazendo graça para quem a assiste ou apenas entregando sorrisos sem pedir muito em troca, ela encanta, e faz tudo parecer fácil demais. Rael acertou em cheio. Ana Cañas e Belchior é o que há de melhor.

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