“As Deusas” de Walter Hugo Khouri (1972)

Rafael Salles
2 min readJul 29, 2021
Poster do filme

E nós, como é que vamos estar daqui a trinta anos?

Walter Hugo Khouri é um oceano: extenso, intimidador, misterioso. Tal qual, também, não fora devidamente explorado – e nisso não falo por escassez de materiais sobre ou de si, apesar do seu rico legado; acredito que nos últimos anos tem-se feito um ótimo trabalho [independente] de apaixonados pelo (seu) cinema dispostos a lembrarem de seu acervo de maneira incrível: tornando-o acessível – e carrega em seu interior maravilhas que nem os mais selvagens sonhos poderiam desvendar. Sua trajetória enquanto cineasta abarca de forma perfeita sua versatilidade: transitando entre dramas, com forte introspecções e olhar psicológico (ou não), a comédia, o terror e até um início à sombra do comum hollywoodiano, passando pela batida aventura – esta, ironicamente, com a única cópia sobrevivente sendo com áudio dublado em inglês – e arriscando um noir-esque que coloca muitos dos “classicões” yankees no chinelo, e sem demais esforços.

Apesar da discrepância do usual à época ao ousar em filmar o declínio burguês e vislumbrar os problemas da classe em um olhar psicológico, a singularidade “khouriana” é o que o perdura pelo tempo, acumulando elogios e colecionando comparações a mestres como Michelangelo Antonioni e Ingmar Bergman; e é claro que ele não deve nada a nenhum dos dois.

Aqui, seu pós-Persona supera o feito do primeiro ao trazer uma visão imensuravelmente mais pessoal e intimista que o longa sueco. São óbvias e quase obrigatórias comparações – ora, Lílian Lemmertz não esteve para Khouri como Liv Ullmann esteve para Bergman? – de seu cinema e de As Deusas em particular; até os extremos atraem a atenção, dos contrastes entre o ambiente litorâneo e a selva, tons monocromáticos e à cores, fortes diálogos e o peso do silêncio. Mas por motivos pessoais, fico com a película latina setentista, e explico: nada nem ninguém tem capacidade de substituir os sons de Rogério Duprat cantando em comunhão com a natureza. E assim seja feito.

--

--