E por falar em saudade…

Onde andam vocês?

Rafael Salles
3 min readJun 8, 2023

Duas tragédias, 34 anos de diferença. Ontem, perdemos Astrud Gilberto; hoje, em 89, perdíamos Nara Leão.

Unidas para além da bossa nova, Nara e Astrud foram amigas. De infância. Foi a capixaba quem apresentou João à cantora, ainda de sobrenome Weinert, seu futuro marido que então lhe daria ao seu estrelato o seu Gilberto. E era na sua sala, onde nasceu o gênero musical, que havia essas trocas.

Nara não limitou-se à bossa nova; chegou a alegar que a mesma lhe dava sono. Fez as pazes com esta no futuro, mas nunca ateou-se a nada, cantava o que bem lhe interessava e era o bastante. Hoje ainda subestimada por um Brasil que recusa-se a recordar de seus heróis, é sempre descoberta pelos jovens e velhos que, por mais inteirados que possam acreditar ser no mundo da MPB, acabam esquecendo das raízes dos cantinhos e violões.

Astrud sofreu de males parecidos com a ingratidão da pátria amada, idolatrada, salve salve. Completou 80 anos com lembranças limitadas, e desde sempre reconhecia em desabafo que seu sucesso era firme no estrangeiro mais do que em sua própria terra. A repercussão de sua morte, até então, não fora lá grande coisa em comparação aos seus feitos na história da música brasileira. Para os conhecedores do vira-latismo habitual: nenhuma grande novidade.

Mas enquanto Astrud desenrolava a bossa nova — e o jazz, além de outros gêneros sonoramente semelhantes — Nara a nada se segurou. Como cantava o que queria, se permitiu averiguar e conhecer de tudo um pouco. Subiu o morro e redescobriu o Brasil, que não se limitava à sala de sua casa. Deu voz, engrandeceu, participou. Foi artista e ativista ávida, sem papas na língua e disposta a encarar o que lhe viesse. Fazia jus ao sobrenome Leão, porém ao invés de rugido, a potência é sua voz suave, doce, como o cantar de um pássaro. Mas seu pássaro interior é outro: carcará selvagem que pega, mata e come. Quando canta, se transforma. Se desmusa — como afirmou Chico Buarque no verso do disco Vento de Maio. Dentre tantos poderes e tantas forças, paira além da certeza da ruindade do país de origem em insistir no esquecimento de quem pavimentou todo o caminho, a saudade. De quem já foi, e quem está indo.

Nara Lofego Leão faleceu aos 47 anos em solo brasileiro, o que asfaltou para os que viriam em seguida, em 7 de junho de 1989; Astrud Evangelina Weinert aos 83 em 5 de junho de 2023, em terras estadunidenses; estas, ainda que limitadas, conseguiram o feito de valorizá-la.

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